21 de fevereiro de 2013

A falta de justiça...


Trecho do célebre discurso, do então Senador da República Rui Barbosa de Oliveira, proferido em 17 de dezembro de 1914, requerendo informações sobre o caso do fuzilamento de marinheiros a bordo do navio Satélite, na Capital Federal:

A falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos males, a origem de tôdas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.

A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens, os auxílios, os capitais.

A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrêla, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade [...] promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza sob tôdas as suas formas.

De tanto vêr triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os podêres nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto...

Esta foi a obra da República nos últimos anos.

No outro regímen [a monarquia], o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre – as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais.

Na República, os tarados são os tarudos [sic]. Na República todos os grupos se alhearam do movimento dos partidos, da ação dos Governos, da prática das instituições. Contentamo-nos hoje com as fórmulas e aparência, porque estas mesmo vão se dissipando pouco a pouco, delas quase nada nos restando.

Apenas temos os nomes, apenas temos a reminiscência, apenas temos a fantasmagoria de uma coisa que existiu, de uma coisa que se deseja ver reerguida, mas que, na realidade, se foi inteiramente.

E nessa destruição geral das nossas instituições, a maior de tôdas as ruínas, Senhores, é a ruína da justiça, colaborada pela ação dos homens públicos, pelo interêsse dos nossos partidos, pela influência constante dos nossos Governos. E nesse esboroamento da justiça, a mais grave de tôdas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um crime que envolva um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem, mas que ninguém tem coragem de apontá-lo à opinião pública, de modo que a justiça possa exercer a sua ação saneadora e benfazeja.

Mas, Sr. Presidente, nesta eliminação monstruosa do sentimento jurídico e da ação judicial, nesse desenvolvimento, ràpidamente crescente do princípio de irresponsabilidade, dominando o princípio da responsabilidade – que é o princípio fundamental das instituições republicanas – porque a República é o govêrno dos homens sujeitos à lei, debaixo de uma responsabilidade inevitável, por seus atos; nessa eliminação da justiça pelos mais elementares de todos os princípios republicanos, o caso do Satélite avulta como o mais grave de todos os casos, como aquêle em que a nossa honra maior enxovalho recebeu, em que a nossa dignidade se sentiu mais humilhada, em que os sentimentos de humanidade do país mais sofreram, em que a nossa civilização, diante do estrangeiro, maior ultraje padeceu.

Que é que vos peço, diante dessa infelicidade nacional, Srs. Senadores? Venho a esta tribuna trovejar contra algum inocente? pedir alguma cabeça à justiça? venho pedir alguma vingança? quero alguma desforra afrontosa inspirada por sentimentos apaixonados? Absolutamente. Eu venho implorar a abertura dos tribunais para o julgamento dêsse inqualificável atentado – e, antes de tudo, a abertura do grande tribunal da opinião pública pelo conhecimento dêsses papéis, que ninguém, hoje pode ter interesse em esconder, senão os culpados, ainda vivos, dessas atrocidades inomináveis [...]


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