Trecho do célebre discurso, do então Senador da República Rui Barbosa de Oliveira, proferido em 17 de
dezembro de 1914, requerendo informações sobre o caso do fuzilamento de
marinheiros a bordo do navio Satélite, na Capital Federal:
A
falta de justiça, Srs. Senadores, é o grande mal da nossa terra, o mal dos
males, a origem de tôdas as nossas infelicidades, a fonte de todo nosso
descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.
A
sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta os homens,
os auxílios, os capitais.
A
injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor
os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a
semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrêla, na
fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a
venalidade [...] promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza sob tôdas
as suas formas.
De
tanto vêr triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver
crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os podêres nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser
honesto...
Esta
foi a obra da República nos últimos anos.
No
outro regímen [a monarquia], o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um
homem perdido para todo o sempre – as carreiras políticas lhe estavam fechadas.
Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa
no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da
honra, da justiça e da moralidade gerais.
Na
República, os tarados são os tarudos [sic]. Na República todos os grupos se
alhearam do movimento dos partidos, da ação dos Governos, da prática das
instituições. Contentamo-nos hoje com as fórmulas e aparência, porque estas
mesmo vão se dissipando pouco a pouco, delas quase nada nos restando.
Apenas
temos os nomes, apenas temos a reminiscência, apenas temos a fantasmagoria de
uma coisa que existiu, de uma coisa que se deseja ver reerguida, mas que, na
realidade, se foi inteiramente.
E
nessa destruição geral das nossas instituições, a maior de tôdas as ruínas,
Senhores, é a ruína da justiça, colaborada pela ação dos homens públicos, pelo
interêsse dos nossos partidos, pela influência constante dos nossos Governos. E
nesse esboroamento da justiça, a mais grave de tôdas as ruínas é a falta de
penalidade aos criminosos confessos, é a falta de punição quando se aponta um
crime que envolva um nome poderoso, apontado, indicado, que todos conhecem, mas
que ninguém tem coragem de apontá-lo à opinião pública, de modo que a justiça
possa exercer a sua ação saneadora e benfazeja.
Mas,
Sr. Presidente, nesta eliminação monstruosa do sentimento jurídico e da ação
judicial, nesse desenvolvimento, ràpidamente crescente do princípio de
irresponsabilidade, dominando o princípio da responsabilidade – que é o
princípio fundamental das instituições republicanas – porque a República é o
govêrno dos homens sujeitos à lei, debaixo de uma responsabilidade inevitável,
por seus atos; nessa eliminação da justiça pelos mais elementares de todos os
princípios republicanos, o caso do Satélite avulta como o mais grave
de todos os casos, como aquêle em que a nossa honra maior enxovalho recebeu, em
que a nossa dignidade se sentiu mais humilhada, em que os sentimentos de
humanidade do país mais sofreram, em que a nossa civilização, diante do
estrangeiro, maior ultraje padeceu.
Que
é que vos peço, diante dessa infelicidade nacional, Srs. Senadores? Venho a
esta tribuna trovejar contra algum inocente? pedir alguma cabeça à justiça?
venho pedir alguma vingança? quero alguma desforra afrontosa inspirada por sentimentos
apaixonados? Absolutamente. Eu venho implorar a abertura dos tribunais para o
julgamento dêsse inqualificável atentado – e, antes de tudo, a abertura do
grande tribunal da opinião pública pelo conhecimento dêsses papéis, que
ninguém, hoje pode ter interesse em esconder, senão os culpados, ainda vivos,
dessas atrocidades inomináveis [...]
(Senado Federal. Rio de Janeiro, DF. Obras
Completas de Rui Barbosa. Discursos Parlamentares. Vol. XLI, Tomo III, 1914, p.
86-88. Disponível no sítio eletrônico da Fundação Casa de Rui Barbosa: http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=ObrasCompletasRuiBarbosa&pesq=A%20falta%20de%20justica,%20Srs.%20Senadores,%20e%20o%20grande%20mal%20da%20nossa%20terra,%20o%20mal%20dos%20males,%20a%20origem%20de%20todas%20as%20nossas%20infelicidades,%20a%20fonte%20de%20todo%20nosso%20descredito,%20e%20a%20miseria%20suprema%20desta%20pobre%20nacao.)